Há 30 anos moro em uma rua que tem um campo de futebol. Cresci assistindo e jogando futebol de várzea. Confesso, que mais assistindo do que jogando, por não saber dominar uma bola, mas com o tempo, eu fui entendendo que jogar não era muito a minha praia, e que eu poderia sim surfar nas ondas do futebol de várzea de um outro jeito.
Aos 11 anos, decidi aposentar a ideia de ser jogador de futebol de várzea quando entreguei “a paçoca” no campeonato na cidade. No banco de reserva, olhei para o treinador que estava vermelho de tanto gritar. Incrédulo com a falha, ele pediu substituição. Eu, pingando de suor, coloco o colete ainda no banco de reservas, escuto um conselho que tomei para toda minha vida.
“- ‘Po’, acho que futebol não é pra você, vai estudar para ser comentarista, jornalista, narrador, já que você fala demais”, disse o treinador com sua prancheta em mãos.
O domingo 1º de maio de 2005 marcou a substituição dos meus sonhos. O jogo em que meu time perdeu o título – por minha culpa, foi o jogo em que eu entendi que trabalhar com futebol de várzea seria o início da minha vida profissional, mesmo ainda criança. Eu não seria jogador, no entanto, iria conviver e frequentar os mesmos lugares que os atletas.
Na manhã seguinte, mais uma substituição na minha trajetória futebolística. Os desenhos animados foram trocados por programas esportivos. O meu par de chuteiras, que eram divididas com um dos meus irmãos, foi trocada por um microfone de madeira.
Naquele dia, a terceira aula da escola era a de educação física e pela primeira vez desisti de jogar bola. Pensei em fazer com o estojo de lápis, o meu microfone para entrevistas e iniciar um teste ali mesmo na quadra da escola. Mas preferi esperar, enquanto um dos meus irmãos providenciava o microfone de karaokê, com uma canopla feita na marcenaria do meu vizinho.
Uma semana se passou e eu já me sentia pronto, preparado. Na quebrada, os domingos para quem frequenta à beira do campo são quase todos iguais, cerveja gelada, espetinho de “carne de gato”, aquela resenha de quem já jogou e quem vai jogar, enquanto a criançada brinca sob o olhar atento das mães, avós, tios, tias e as amantes do futebol.
Foi nesse cenário, fingindo já ser um repórter, que eu comecei a entrevistar quem estivesse à beira do campo: jogador, torcedor, árbitro e por que não o treinador? O responsável pela minha “aposentadoria precoce como jogador”.
– Decidi seguir o seu conselho. Abandonei a prática do futebol dentro de campo e agora sou repórter fora dos gramados. Mas eu te pergunto: Você me escalaria para o seu time no jornal?
-Falar você fala bem. Tem futuro como jornalista hein… Futebol precisa melhorar bastante. É melhor continuar jogando no time da imprensa” brincou aquele que foi peça principal para essa nova empreitada.
O passe errado que eu dei na grande área que ocasionou o gol do adversário foi o passe certo para que eu pudesse escrever, gravar, publicar e exercer várias outras funções do jornalismo esportivo na várzea, que sem dúvidas é a essência do futebol e da minha vida.
*Essa crônica foi produzida para a disputa do 3º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol em 2024.